Clique aqui e leia outra "pérola" do professor Isaias Raw em artigo publicado no OESP em 2007, quando o professor discorre sobre a vivissecção.
por Folha Online
O Butantan fez bem em deixar em segundo plano sua coleção biológica, disse à Folha o ex-presidente da Fundação Butantan, Isaias Raw.
Ainda muito influente no instituto, Raw afirma que a pesquisa realizada no acervo destruído pelo incêndio no sábado era de "quinta categoria". Mesmo após o desastre, ele defendeu a política de priorizar a fabricação de vacinas.
"Aquilo [o acervo] é uma bobagem medieval. Você acha que a função do Butantan é cuidar de cobra guardada em álcool ou fazer a vacina para as crianças?", disse. Para ele, "não dá para cuidar das duas coisas".
Cientistas ouvidos pela Folha reclamam que, durante a gestão da Raw, entre 1985 e 2009, a pesquisa com animais teria passado a ser vista como algo de pouca importância e recebido poucos recursos da Fundação Butantan, organização social gestora do instituto, que é do governo do Estado.
Segundo um deles, Raw teria "pegado birra" dos que trabalhavam junto ao acervo, por considerá-los improdutivos.
Foi sob Raw que o Instituto Butantan, por outro lado, tornou-se o grande fornecedor de vacinas do Ministério da Saúde.
"Se eles não receberam dinheiro é porque não mereciam. Eu recebo todo dinheiro que eu peço. A Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] deu aquele prédio. Eles fizeram uma merda naquele prédio. Nem compraram o alarme para incêndio, alarme para incêndio você compra na esquina hoje."
Segundo ele, foi um erro colocar os animais em álcool. "Isso é burrice, é para pegar fogo."
De segunda
"Não quero falar mal de colega, mas [o que Raw diz] é verdade. Desde o começo é uma herpetologia [estudo de répteis e anfíbios] de segundo grau", diz Paulo Vanzolini, 86, o mais importante zoólogo brasileiro vivo. "O Butantan nunca foi vanguarda cientificamente."
"Agora, isso não tem nada a ver com o valor da coleção. A coleção era independente do valor científico dos cientistas. Ela tinha grande valor científico, tinha 80 mil bichos."
Para Raw, a Fapesp também não errou caso não tenha dado dinheiro especificamente para criar um sistema anti-incêndio.
"Se eles receberam uma banana [da Fapesp], é porque eles mereceram uma banana. Alguém tem de dizer qual é a prioridade do Brasil."
A Fapesp, na verdade, deu dinheiro ao Butantan que poderia ter sido usado num sistema anti-incêndio. Em 2007 e 2008, como mostrou ontem a Folha, o instituto recebeu quase R$ 1 milhão para a chamada reserva técnica. A verba pode ser aplicada em infraestrutura e em equipamentos de pesquisa.
Investigação
A fundação funciona como braço operacional do Instituto Butantan e tem um orçamento de cerca de R$ 300 milhões.
Raw renunciou à presidência da fundação no ano passado. O Ministério Público investigava um esquema de desvio de verbas públicas que envolvia mais de R$ 35 milhões.
Antes da renúncia, Raw já tinha sido afastado preventivamente. Não existiam, porém, evidências de que ele tivesse se beneficiado do dinheiro.
Raw continua como cientista do instituto, mas foi encontrado ontem no prédio da fundação, onde, segundo funcionários, é presença constante.
"A fundação não poderia ter dado dinheiro [para segurança do prédio incinerado]. Eu tenho de guardar o dinheiro porque a vacina começa a ser feita no ano anterior, antes que o Ministério da Saúde encomende. Quando se vota o orçamento, às vezes já em maio, ele começa a pagar. Como vou fazer vacina se não tenho dinheiro?"
Raw criticou também os descendentes de Vital Brazil, um dos fundadores do Butantan, que disseram nessa semana que o patrimônio histórico do local tinha sido jogado "à última instância" e que o instituto tinha se tornado uma mera "fábrica da vacinas".
Gambiarras elétricas
Segundo pesquisadores que preferiram não se identificar, eram constantes as reclamações com relação à estrutura física e especialmente elétrica do galpão que pegou fogo.
Um dos cientistas apontava a ferrugem tomando conta do telhado do prédio. "Isso quer dizer alguma coisa", disse. Segundo ele, "gambiarras" são comuns no instituto. "Muitos prédios provisórios acabam se tornando permanentes."
A Folha entrou brevemente no prédio que pegou fogo, interditado pela Defesa Civil.
Ali é possível ver algumas tomadas que foram "puxadas" de outras. Os fios que saíam do poste do lado de fora passavam antes por um tubo exposto, rente à parede, por metros antes de entrar no local, ficando claro que aquela instalação não fora feita com o galpão.
Segundo a direção do Instituto Butantan, o prédio tinha sido reformado recentemente e não havia nada de errado com a parte elétrica.
Bomba-relógio
Além dos problemas específicos das instalações do Butantan, coleções biológicas armazenadas de modo tradicional têm um quê de bomba-relógio.
Isso porque ela combinam com frequência animais em álcool e outros bichos, como insetos ou aranhas, cuja carapaça externa seca foi preservado. A mistura é muito inflamável.
Para Paulo Vanzolini, da USP, decano dos especialistas em répteis do Brasil, "as precauções são conhecidas: examinar frequentemente a parte elétrica e ter os extintores em boas condições."
"Os primeiros minutos nesse tipo de fogo são capitais, é sempre muito difícil de controlar", afirma Hussam Zaher, diretor do Museu de Zoologia da USP.
A maneira mais segura de lidar com o problema é transferir as coleções biológicas para prédios só para elas, sem janelas, equipados com um sistema que emite gás carbônico quando acontece um incêndio.
Sem oxigênio no ar, o fogo deixa de ser alimentado e é debelado. Agora, o Butantan quer fazer um prédio com vários "módulos", em que um foco de incêndio não conseguiria se espalhar por todo o acervo.
Segundo Francisco Franco, curador da coleção destruída, foi possível ontem tirar cerca de 40% do acervo queimado de dentro do prédio. Ele diz que existe material em todos os estados de conservação, mas que ficou positivamente surpreso ao ver muitos animais inteiros.
O escoramento do prédio, que ameaça desabar, deveria ter sido feito ontem, mas foi adiado para hoje. Depois disso, será possível retirar o resto da coleção. O trabalho deve levar mais dois dias, estima Franco. Só depois será possível saber o tamanho do estrago.
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