Acordo propõe que país receba uma quota para caçar 400 baleias ao ano na Antártida se permitir observadores a bordo
Proposta será apreciada em junho em encontro de comissão internacional; ONGs consideram limite alto, e japonoses, baixo
Alfândega Australiana
Navio japonês com os dizeres "pesquisa legal" reboca baleias minke capturadas na Antártida
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O governo japonês afirmou que não pretende encerrar seu programa de caça científica de baleias, mesmo que um acordo internacional para regulamentar a captura desses animais seja fechado no mês que vem.
A declaração foi dada pela embaixada japonesa, em resposta a perguntas da Folha.
O país que mais caça baleias no mundo afirmou, no entanto, que está considerando uma proposta para incluir observadores a bordo de sua frota baleeira e realizar exames de DNA nos animais capturados.
O objetivo das medidas é garantir que não haja caça além da quota e que não sejam capturadas espécies ameaçadas, como a baleia-azul (o maior animal que já habitou a Terra), ou cujos estoques não sejam conhecidos em alguns lugares, como a jubarte (espécie que dá "braçadas" no ar quando salta).
A adoção do esquema de vigilância é um dos grandes pontos de um acordo que está sendo negociado e que pode levar à liberação da caça, com limites.
A proposta é do chileno Cristián Maquieira, presidente da CIB (Comissão Internacional da Baleia). Será debatida no fim de junho, na reunião da CIB, em Marrocos, e é foco de negociações diplomáticas intensas.
Ela prevê que a captura de baleias seja liberada por dez anos e estabelece uma quota de captura global de algumas centenas de exemplares por ano.
Um ponto polêmico é dar ao Japão uma quota de 400 baleias minke ao ano na Antártida, que se reduziria a 200 após cinco anos. Hoje, o oceano Austral é oficialmente um santuário de baleias, mas o Japão se permite caçar 900 animais ao ano ali, sob a desculpa de "pesquisa científica" relatada à CIB.
Trata-se de uma forma que o país encontrou de driblar a moratória imposta pela CIB à caça comercial em 1986, denunciada ano após ano por vários países -o Brasil, inclusive- como caça comercial disfarçada. A carne de baleia do programa "científico" abastece restaurantes e mercados no país.
O acordo proposto por Manquieira prevê a eliminação, pelos seus dez anos de vigência, de "caça à baleia determinada unilateralmente sob permissão especial, objeções e reservas".
A formulação tem três endereços certos: "permissão especial" é o caso da caça japonesa; "objeções", da caça islandesa; e "reservas", da Noruega, segundo maior caçador -que mata metade do número de baleias que o Japão mata.
"O Japão não tem tal ideia", afirmou a embaixada, questionada sobre se o país consideraria pôr fim à pesquisa letal.
Segundo o governo japonês, a caça no oceano Austral e no Pacífico Norte acontece para "atender a objetivos científicos, como remover incertezas em torno dos dados científicos em relação aos recursos baleeiros, mas não para atender à demanda por carne".
Pressão total
O Japão tem motivos para considerar a proposta de Maquieira: poucas vezes o país esteve sob pressão internacional tão forte para largar seu hábito de comer cetáceos.
A frota baleeira japonesa tem sido perseguida em águas antárticas pela ONG Sea Shepherd, que neste verão conseguiu impedir que ela cumprisse sua quota de captura. O embate levou à prisão de um ativista, que será julgado no Japão.
O governo da Austrália ameaçou neste ano adotar medidas legais contra o Japão caso o país não acabe com seu programa de caça científica.
Por fim, até Hollywood se engajou: neste ano, o Oscar de melhor documentário foi para o filme "A Enseada", de 2009, que denuncia o massacre de golfinhos no país. Para a embaixada, "o governo japonês não está em posição de dizer se ele teve ou não impacto negativo sobre a sociedade japonesa".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2205201001.htm
Ativistas podem ser condenados
DA REDAÇÃO
Dois ambientalistas japoneses que investigavam a indústria baleeira podem ser presos nas próximas semanas sem direito a suspensão de pena.
Segundo a ONG Greenpeace, Toru Suzuki e Junichi Saito expuseram um esquema de corrupção envolvendo membros do governo japonês e a empresa Kyodo Senpaku, que detém a frota baleeira.
Segundo o governo nipônico, os ativistas estão sendo processados porque entraram ilegalmente em instalações de uma empresa transportadora e roubaram uma caixa com carne de baleia.
O processo contra os chamados "Dois de Tóquio" foi objeto de análise do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
O grupo concluiu que o Japão violou três artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao deter os ativistas, em 2008, e processá-los.
"O direito desses dois ativistas de não serem arbitrariamente privados de sua liberdade; seus direitos à liberdade de opinião e expressão (...) bem como seu direito de se engajarem em atividades pacíficas sem intimidação ou assédio não foram respeitados", afirmou o grupo.
"Nós não consideramos que a detenção e o processo contra os srs. Saito e Suzuki tenham sido arbitrárias", diz a embaixada. Segundo o governo japonês, a opinião do grupo de trabalho da ONU "não foi baseada em informações suficientes e acuradas".(CA)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2205201002.htm
Para latinos, proposta de acordo é deficiente
DA REDAÇÃO
Governos da América Latina reunidos na Costa Rica rejeitaram anteontem a proposta em análise na Comissão Internacional da Baleia que prevê a liberação da caça.
Segundo eles, o documento apresentado pelo presidente da comissão, Cristián Maquieira, está "muito abaixo das expectativas e precisa ser significativamente reformado".
Os 14 latino-americanos do chamado Grupo de Buenos Aires formam um dos blocos mais coesos nas negociações internacionais sobre baleias. Eles costumam votar em bloco por medidas conservacionistas.
O grupo se reuniu nesta semana na Costa Rica para debater sua posição em relação à proposta de acordo.
Um comunicado à imprensa divulgado na quinta-feira afirma que a proposta falha porque impõe aos países conservacionistas concessões imediatas -como admitir a caça oficial de um número grande de baleias- e ao mesmo tempo adia por dez anos decisões que poderiam significar derrotas para os baleeiros, como o banimento permanente da caça científica.
Mas a principal objeção do Grupo de Buenos Aires é o limite de captura proposto. Ele é considerado alto demais. No ano que vem, por exemplo, mais de 1.800 baleias poderiam ser oficialmente mortas no mundo inteiro caso a proposta passasse como está.
Não servem
Maquieira diz que mais de 4.000 baleias seriam salvas do arpão nos próximos dez anos caso a proposta seja aceita.
"Os números são críticos neste processo, e os da tabela 4 não servem", disse à Folha o ministro Fábio Pitaluga, negociador do Brasil na comissão. A tabela 4 é o trecho do documento de Maquieira que apresenta as quotas anuais.
Ambientalistas do mundo inteiro também têm criticado a proposta, que consideram um retrocesso. "Ela prevê a continuidade da caça no santuário [da Antártida], o que é absurdo", diz Márcia Engel, do Instituto Baleia Jubarte. (CA)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2205201003.htm
Frase
Ela prevê a continuidade da caça no santuário [da Antártida], o que é absurdo
MÁRCIA ENGEL
bióloga do Instituto Baleia Jubarte, sobre proposta de acordo na Comissão da Baleia
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