Adeptos da prática insistem em dizer que não há lei que proíba os embates
A proteção animal precisa ficar atenta e se mobilizar, os galistas estão se movimentando (nota T.A.)
Maurício Gonçalves/Gazeta de Alagoas
Crime ou cultura? Esporte ou maldade? Aposta ou tradição? Além da rinha, as polêmicas cercam as brigas de galo. Lá dentro, as aves atacam. Cá fora, os homens debatem. Os adeptos da prática milenar, chamados de galistas, estão reduzidos a uma minoria. São enquadrados na lei de contravenção penal por jogo de azar e na lei de crimes ambientais por maus-tratos aos animais. Só não baixam a crista.
“Não existe lei que proíba o combate de galos no Brasil”, destacam seus defensores. Uma decisão recente da Justiça autorizou o embate galináceo em rinhas paraibanas e fortaleceu a causa. O esporte (como é tratado por alguns) também é liberado em outros Estados, como Pernambuco e Mato Grosso. Na maior parte dos recantos onde é proibido, lutas acontecem às escondidas e autoridades fazem vista grossa.
Aqui em Alagoas, não. A repressão é constante. Há pouco mais de um ano, cerca de 200 policiais rodoviários federais atuaram na maior apreensão de galos combatentes do Estado. Foi um tiro de misericórdia para galistas e criadores: 381 animais foram recolhidos e mais de 120 pessoas detidas. A partir daí, uma série de impasses implodiu os objetivos dos mandados de busca e apreensão e expôs a fragilidade da legislação sobre o tema.
Galistas devem iniciar “guerra” a favor da descriminalização
Discriminados e perseguidos, os galistas tentam se organizar para iniciar uma “guerra” judicial pela descriminalização da “atividade cultural” em Alagoas. Eles estudam a legislação, debatem argumentos e querem criar a Associação de Galos Combatentes do Estado para sair do anonimato. A entidade deve ter uma representatividade legal para substituir o extinto Galo Clube de Alagoas e a antiga Associação de Criadores de Raça Pura.
Estima-se que haja mais de 500 galistas em Maceió e cerca de 1.500 a 2 mil em todo o Estado. Isso sem contar os meninos ou criadores amadores que têm um ou dois galos no quintal de casa e colocam para brigar no meio da rua. Segundo os representantes da categoria profissional, nenhuma rinha está funcionando desde a operação policial de novembro de 2009. Muitos desistiram da criação ou reduziram bastante o número de galos.
Criadores explicam como se dá o combate
Após quatro dias de insistentes contatos, um dos galistas não só decidiu se identificar como abriu as portas de uma rinha improvisada para a nossa reportagem. O funcionário público Bartolomeu Alves acompanhava e promovia brigas de galo desde criança. Outros adeptos mostraram suas criações, deixaram-se até fotografar, mas não quiseram dizer o nome.
Bartolomeu afirma que desistiu da atividade e se desfez de cerca de 60 galos após a operação policial de 2009. Mas nos guiou até a criação de um amigo, num local que eles pedem para ser mantido em sigilo, mostrou como se dá a preparação física das aves para a luta e realizou um “traquejo”, uma espécie de treinamento entre dois galos.
O local tem uma rinha abandonada, cercada por espuma de colchão, no meio do chiqueiro (lugar onde os galos ficam presos à noite). Foi lá que os adversários traquejaram. “Como é um bicho muito quente, que se movimenta muito, temos que molhá-lo bem (antes da luta ou do treino) para ele ficar tranquilo por uns quinze minutos. Demora mais a cansar”, diz Bartolomeu.
Rinha está fechada há seis anos
No ringue, os lutadores não querem saber se é treino ou para valer. Asas musculosas transformam os saltos em pequenos vôos. Na descida, as patas se antecipam, miram o peito ou a cabeça do adversário. O sangue quente ferve nos olhos vermelhos, sempre fixos no outro ocupante do tambor. Pernas firmes no chão evitam a queda. Contragolpe com o bico, recuada estratégica e “clinch”, os galos engancham os pescoços, como boxeadores cansados.
É um embate cheio de estratégias. “No início, eles se estudam e ficam se unindo para se poupar. Depois de uns dois ou três minutos, em média, a briga começa para valer”, explica Bartolomeu. Após mais de dez minutos de demonstração para registro fotográfico, o criador pediu para recolher os animais. “Já estão cansados”.
Bem antes da fase de traquejos, os cuidados com alimentação, prevenção de doenças e preparação física são fundamentais para formar um galo campeão. Segundo Bartolomeu, um bom galo de briga já chegou a custar R$ 4 mil, R$ 5 mil, caracterizando um negócio lucrativo. Tanto que algumas pessoas se dedicam apenas a criar os animais, fazer cruzamentos genéticos para tirar uma boa raça e vendê-los. “Mas isso foi antes dessa apreensão grande, hoje o mercado está desvalorizado”, lamenta Bartolomeu.
“São cenas de terror”, diz inspetor
No torneio, as lutas são definidas de acordo com o peso e a altura. Os galos têm em média de 3 kg a 3,5 kg, mas a diferença máxima entre dois competidores não pode ser mais do que 50 gramas.
O prazo máximo de cada combate é 45 minutos, divididos em dois tempos. Em regra geral, o primeiro tempo é de vinte minutos e o segundo, de 25 minutos. No picadeiro principal, aconteciam os primeiros combates. As lutas que se esticavam, iam para a disputa do segundo turno nos tambores menores.
“O nocaute é mais difícil, acontece quando o galo fica arreado, como se estivesse com o joelho no chão. Aí o juiz segura o outro e conta o tempo de 25 segundos para ele se reerguer”, explica a fonte da Gazeta.
Decisão judicial é criticada
O veterinário do Centro de Triagem de Animais do Ibama, Marius Bellucido, contesta o argumento dos galistas de que as aves lutam por instinto puro, e não porque foram treinadas e preparadas em cruzamentos de raças. “Você pode ter certeza absoluta que no habitat natural, por exemplo, na China, se o animal briga com outro pelo território ou pelas fêmeas não há maus-tratos. Mas se o homem usa um cativeiro, aplica métodos para deixá-lo mais feroz, medicamentos para aumentar a performance e o leva para brigar é completamente diferente”, afirma Marius.
Para o veterinário, não se deve levar em conta o argumento de que se trata de uma prática de tradição. “Vale lembrar que a escravidão já foi um comércio legalizado no Brasil. Em outros tempos, a luta de gladiadores era uma tradição permitida, mas a sociedade evolui. Não é mais tolerável que se coloque dois animais para lutar, existem leis que claramente consideram isto maus-tratos e coíbem esta prática”.
Marius Bellucido acompanhou a apreensão dos 381 galos. Segundo ele, “trinta ou quarenta” aves foram levadas para o órgão federal, e não 17, como contaram os galistas. “Estes animais são abatidos e descartados, parte deles serviu para alimentação de outros animais, a maioria foi doada para o sistema carcerário”.
Magistrada diz ter acompanhado criações de animais de perto
Para a juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública da Paraíba, Maria de Fátima Ramalho, as autoridades que coíbem a prática estão desinformadas sobre o assunto. “Eu tive o cuidado de acompanhar as criações, presenciei in loco. Trata-se de um prática cultural milenar, que em outros países é regulamentada por lei, mas no Brasil não tem uma legislação própria. Muitas vezes, os animais apreendidos são até sacrificados, então me parece que o mau-trato maior é a morte”.
O mandado de segurança com pedido de liminar solicitado pela Associação de Criadores e Expositores de Raças Combatentes proibiu os órgãos fiscalizadores da Paraíba de coibir as rinhas, aplicar multas e deter os criadores. Logo no início da sentença, a juíza declara:
“Ao contrário do que dizem os ‘ambientalistas’, o galismo está disseminado em todo o mundo (...), o esporte não visa mutilar, ferir ou maltratar os denominados ‘galos de briga’, mas tão somente fazer aflorar no animal suas características genéticas inerentes à luta territorial, raça e tudo mais. É assim com as vaquejadas, cavalgadas e rodeios, estes últimos, movimentam milhões e milhões de reais, a exemplo do tão famoso e conhecido Rodeio de Barretos”.
Fonte: http://gazetaweb.globo.com/v2/noticias/texto_completo.php?c=222373
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