Análise levou quatro meses para ser concluída
Do jornal Hoje em Dia
Leonardo Morais/jornal Hoje em Dia
Rio Doce sofre com a poluição dos afluentes, que recebem esgotos sem tratamento
Os rios Caratinga e Piracicaba, que passam por Minas Gerais e Espírito Santo, correm risco de “secarem” a partir de 2030. É o que alerta o Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Doce. O estudo, assinado pelo consórcio Ecoplan-Lume, levou quatro meses para ser concluído e reúne informações precisas sobre a atual situação da bacia e os impactos futuros.
O diagnóstico serve para adoção de ações e programas do poder público com a finalidade de garantir quantidade e qualidade dos recursos hídricos. O prognóstico pessimista do estudo é baseado no cruzamento de dados sobre poluição provocada por descargas de esgoto doméstico sem tratamento e assoreamento da bacia, causado, principalmente, pela destruição da cobertura vegetal.
O trabalho foi encomendado pelo CBH-Doce (Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Doce) e custeado pela ANA (Agência Nacional de Águas), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas e o Instituto Estadual de Meio Ambiente do Espírito Santos. Em janeiro, a Fundação SOS Mata Atlântica já havia apresentado resultado da análise de 43 rios brasileiros, feita em 2010. A qualidade do Rio Caratinga foi considerada ruim.
Para evitar que os rios sequem até 2030, o Plano Integrado propõe cobrança pelo uso da água, redução do assoreamento, universalização do saneamento básico e aumento da cobertura florestal.
A recuperação ambiental consumiria cerca de R$ 1,3 bilhão e as condições para implementação da cobrança pelo uso da água serão votadas pelo CBH-Doce em assembleia, no próximo mês.
Os aspectos futuros da bacia foram trabalhados para o período entre 2006 e 2030, em distintos cenários, tendo como base números, valores e indicadores da vazão e qualidade de água fornecidos por instituições controladoras dos recursos (companhias de saneamento, barragens e instituições públicas).
A projeção é que abastecimento público, irrigação, pecuária e uso industrial devem consumir, em 2030, 46 mil litros de água da bacia por segundo. Em 2006, o consumo era de 30 mil litros por segundo.
A irrigação deverá representar 51% desse consumo nos próximos 24 anos. Por isso foram estabelecidas sete ações prioritárias para os próximos dez anos, segundo Ney Murtha, coordenador da ANA em Governador Valadares.
– Entre elas estão programas de melhoramento de qualidade da água.
Desertificação ronda cidades
Em Minas Gerais, as cidades de Franciscópolis e Malacacheta, no Vale do Jequitinhonha, Rio Vermelho e Serro, na região central, e Itambacuri, no Vale do Rio Doce, apresentam características de desertificação.
Outras 12 cidades do lado capixaba da bacia, Águia Branca, Alto Rio Novo, Baixo Guandu, Colatina, Marilândia, Pancas, Mantenópolis, Rio Bananal, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, Sooretama e Vila Valério têm o mesmo diagnóstico.
Todos os municípios foram afetados, recentemente, por secas. Eles também têm em comum o fato de serem atendidos por programas de emergência de seca, administrados pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
O estudo encomendado pelo Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Doce concluiu que, nas cidades mineiras, as áreas afetadas apresentam problemas de “intensa exploração e degradação da vegetação”.
O estudo aponta que parte importante da vegetação natural tem sido substituída por pastagens exóticas. Diz também que a baixa fertilidade natural dos solos e a topografia acidentada, aliada ao sobrepastoreio (excesso de manejo das plantas), reduz a capacidade de suporte das pastagens e expõe o solo a intensos processos erosivos.
As extensas áreas de pastagens degradadas são conhecidas na região como “peladores” e são fontes importantes de sedimentos para os rios. A exploração mineral, principalmente de areia, sem controle, merece alerta do levantamento. A atividade é apontada como contribuinte para a erosão dos solos e assoreamento de córregos, rios e lagos.
Promessa de esgoto tratado
Em Governador Valadares, a promessa é de que o esgoto lançado diariamente no Rio Doce, cerca de 700 litros por segundo, deve ser totalmente tratado até o fim de 2012. Para isso, há projetos de duas Estações de Tratamento (ETEs), uma no Bairro Santos Dumont e outra no Elvamar (já em fase de execução).
Atualmente, o esgoto doméstico é lançado em córregos e canais que cortam o município e deságuam no Rio Doce. O diretor-geral do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Omir Quintino, disse que o cronograma estabelece que já neste ano seja retirado o esgoto dos canais.
Os recursos para a construção das estações são do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Saneamento.
No Elvamar são previstos investimentos de R$ 13,3 milhões. As obras no Santos Dumont devem ser licitadas no mês que vem, e o investimento será de R$ 54 milhões. Essa estação será responsável por tratar 80% do esgoto de Valadares.
Pescarias fartas fazem parte da lembrança
A notícia surge como um alento aos pescadores da cidade. O aposentado Amaro Pereira dos Santos, 52 anos, se lembra bem da época em que havia fartura de peixe, que garantia o sustento da família. Pescava em média 40 quilos de cascudo e tucunaré por dia.
– Hoje, esses peixes são raros. Venho pescar ainda para passar o tempo, porque não é mais uma profissão viável.
Ele conta que, nas décadas de 1960 e 1970, crianças tomavam banho nos rios enquanto as mulheres lavavam roupas.
– Hoje a água fede.
O também aposentado Valuce Geraldo Souza, 62, mora às margens do Rio Doce. Ele observa que não são apenas garrafas pet e sacolas de lixo que emporcalham a águas. Animais mortos, móveis e eletrodomésticos são jogados no rio diariamente.
– Os próprios pescadores, às vezes, promovem a limpeza, retirando o que está no fundo do rio. Saem coisas que nem dá para acreditar. Na época em que eu era garoto, nadava e até bebia a água. Poderia ver a areia e as pedras no fundo.
O estudo do Plano Integrado de Recursos Hídricos do Rio Doce aponta que 90% das cidades da bacia em Minas e no Espírito Santo lançam esgoto sem tratamento nos corpos receptores, resultando em cargas incompatíveis com a autodepuração na maioria dos trechos.
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