Preservação dos primatas acabou beneficiando as demais espécies da região
Gisela Cabral
Os registros feitos por um frei português conhecido como Thevet, em visita ao Brasil poucas décadas depois do Descobrimento, em 1558, descrevem um pequeno primata de pelo dourado cor de fogo e beleza estonteante, adotado pelos índios como animal de estimação. A juba ao redor da cabeça rendeu à espécie Leontopithecus rosalia, então abundante no país, o apelido de mico-leão-dourado. Séculos depois, esses bichos foram classificados como criticamente ameaçados de extinção, situação que começou a mudar com o início de um projeto coordenado pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) na Área de Proteção Ambiental da bacia (1) do Rio São João. Agora, os cientistas dizem que o mico-leão-dourado tem chances não só de escapar da ameaça que a caça e o desmatamento representam como pode ajudar na preservação de outras espécies.
Abundantes na época do Descobrimento, os micos-leões-dourados chegaram a integrar a lista de animais seriamente ameaçados.
Isso porque, segundo os especialistas, o primata reúne características ecológicas de diversos outros animais, como a alimentação diversificada e a necessidade de abrigar-se em habitats variados, por exemplo encostas e baixadas. Dessa forma, ao criar mecanismos que protegem o mico-leão, o projeto da Uenf desenvolve condições que beneficiam também as outras espécies existentes na bacia.
Segundo o coordenador do estudo, o professor da Uenf Carlos Ruiz, quando o projeto teve início, em 1983, havia 300 micos-leões-dourados na região. “Estabelecemos metas por meio da análise de viabilidade de população. Com isso, conseguimos ampliar o número de animais para 1.600, habitando uma área de 13 mil hectares de florestas”, afirma. A meta dos pesquisadores da universidade e das entidades parceiras da iniciativa, como a Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), é chegar a um número mínimo de 2 mil primatas ocupando 25 mil hectares de áreas conectadas e protegidas.
A estratégia de conservação florestal é chamada de manejo adaptativo, na qual as atividades desempenhadas são modificadas de acordo com as necessidades do local. Exemplo disso são os projetos que incluem análises demográficas, pesquisas genéticas e até noções de educação ambiental voltadas para os moradores do entorno. “Também criamos os corredores ecológicos, que funcionam como pontes de vegetação replantada por cima do pasto de propriedades rurais particulares e que ligam duas florestas”, destaca.
Reservas
A população de micos existentes no estado do Rio de Janeiro, hoje, está distribuída ao longo de duas reservas biológicas, a União e Poço das Antas, ambas de responsabilidade do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além disso, os animais podem ser avistados em 28 reservas particulares ou fazendas localizadas na bacia do Rio São João. Segundo a secretária-geral da AMLD, Denise Marçal Rambaldi, a área é estratégica em termos de biodiversidade e serviços ambientais. “Os benefícios obtidos a partir do trabalho feito com o mico, que é um animal extremamente exigente, são estendidos a outras espécies. Também visamos à proteção da área em si, sempre em conexão com os órgãos governamentais que viabilizam o processo”, explica.
De acordo com a AMLD, o mico-leão-dourado é um primata que vive em grupos familiares formados, em média, por seis indivíduos, podendo variar de dois a 14 membros. Eles podem viver até 12 anos na natureza e, em geral, reproduzem-se uma ou duas vezes por ano, em gestações que costumam durar até 120 dias. “Os micos se alimentam de frutos, néctar de flores e pequenos vertebrados”, explica Denise. Segundo ela, o problema da caça à espécie não foi exterminado por completo no Brasil. Porém, a maior dificuldade enfrentada atualmente é a perda e a fragmentação de florestas. “O Rio de Janeiro é um estado que cresce mais a cada dia que passa e, com isso, há o desaparecimento da mata. Por isso, a importância em conservar o que existe atualmente”, enfatiza a especialista.
1 - Abrigo
A importância da área onde está a bacia do Rio São João é imensa, por abrigar quase toda a população de micos-leões-dourados existentes no Brasil. Com uma extensão de 150 mil hectares, essa parte da Mata Atlântica é a principal fonte de abastecimento de água de municípios fluminenses como Cabo Frio e Arraial do Cabo.
» Características
Saiba mais sobre o mico-leão-dourado:
- Vive em grupos familiares formados, em média, por seis indivíduos
- Pesa entre 550g e 600g e mede cerca de 60cm da cabeça até a ponta da cauda
- Na natureza, vive em média oito anos, mas pode chegar até os 12 anos
- Pode se reproduzir uma ou duas vezes por ano, com gestação de 120 dias que resulta, geralmente, no nascimento de filhotes gêmeos
- Alimenta-se de frutos silvestres, insetos, pequenos vertebrados e, eventualmente, da goma de algumas árvores
- Cada grupo utiliza uma área que varia entre 50 e 100 hectares, que é defendida da entrada de outros grupos de micos
- É um animal diurno que à noite se abriga em ocos de árvores ou emaranhados de cipós e bromélias
Nenhum comentário:
Postar um comentário